Maria Filó Blog | Dicas e Inspirações de Moda
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Onde a imagem encontra a linguagem

Foto: Pedro Garcia (Cartiê Bressão)

Ainda criança, Maria Lago cresceu entre os 10 mil livros do pai que compunham um acervo digno de biblioteca nenhuma botar defeito. Assim nasceu um interesse nato não só pela literatura, mas também pelo design das obras.

Maria sempre esteve envolvida em todas as etapas do processo editorial, tendo experimentado, inclusive, a prática de encadernação artesanal. Originalmente FAMILIA foi sua marca de papelaria por encomenda, cujas as peças únicas eram desenhadas e executadas à mão pela designer. Hoje, FAMILIA é o selo de seu estúdio criativo, especializado em narrativas visuais e da recém lançada editora de edições limitadas de fotolivros e livros de artista.

A paixão pela linguagem ganha novos contornos na vivência de Maria, que incorpora a estética em tudo que faz. No ano passado, lançou Onde o Rio encontra o mar, com trabalhos de 9 fotógrafos que encararam o desafio de retratar o diálogo entre a praia e a cidade (maravilhosa) a partir de um olhar nada óbvio.

Hoje, a designer e diretora de arte também se lança na fotografia. Abraça toda a liberdade que sente morando em NY, adiciona pitadas de tempero carioca e espanhola – Maria já morou em Madri – para fotografar sem amarras, de maneira crua, original e espontânea. Com ela, a arte é menos tendência e mais essência.

Confira a entrevista:

Você tem uma forte relação com livros, tanto forma quanto conteúdo. O que o encontro entre imagem e linguagem representa para você?
O livro foi umas das formas que encontrei de contar histórias através de uma linguagem visual e de um suporte que durem no tempo. Minha cabeça pensa o tempo inteiro em como contar coisas desde um ponto de vista diferente, para que mesmo as mais banais sejam vistas de forma diferente e ao mesmo tempo fiquem registradas na memória. Eu não sigo tendências, me interessa mais pensar em como traduzir conteúdos que toquem as pessoas. Livro envelhece bem, diferentemente da maioria dos suportes digitais. Ganha mais vida com o tempo, é pessoal.

Você cresceu rodeada por livros. Conta um pouco sobre sua relação com eles.
Sim, o pessoal na minha família é meio exagerado (risos). Tanto a família da minha mãe como a do meu pai tem uma base intelectual muito forte. História, arte, política e cultura fazem parte da minha educação. Meus pais vêm de famílias internacionais, que sempre viajaram muito e se criaram no mundo, absorvendo diversidade e cultura geral. Meu pai tem mais de 10 mil livros em casa, sobre tudo o que você possa imaginar, entre eles uma coleção respeitável de livros raros antigos (incluindo edições do século 16, encadernados em pergaminho e couro). Eu estou construindo minha coleção com outras características, mais focada em fotolivros e livros de artista contemporâneos, edições limitadas. Não passo ainda dos 1.100. Meus tios também colecionam, um deles é, inclusive, editor. Eu cresci entre livros, apreciando e respeitando-os como forma e conteúdo. A biblioteca é o meu maior patrimônio material, junto com minha coleção de sapatos (risos).

Imagens: F0otolivro autoral – Passado, Presente, Futuro

Quais são suas principais memórias afetivas em que os livros estão presentes?
Tem uma historinha que conto de vez em quando: aos 2 anos e meio, acordei de manhã cedo, fui ao corredor da casa em que vivia com meus pais e comecei a mexer nos livros na prateleira mais baixa, a única que alcançava. Meu pai acordou em seguida e me pegou no flagra, me deu uma bronquinha e um tapa inofensivo na mão dizendo: “ai, ai, ai, com livro não se brinca.” Aprendi. Lembro dos meus pais lendo o tempo todo e eu sabendo respeitar isso. Da gente sempre puxar um livro da estante buscando referência durante uma conversa. Os meus livros de infância que tenho até hoje e considero grandes marcos do design editorial infantil são Flicts, do Ziraldo, e Onde vivem os monstros (Where the wild things are) do Maurice Sendak. Também sempre gostei muito de um livro que herdei da minha mãe, Eloïse, sobre uma menina que morava no Hotel Plaza em NY, hoje, curiosamente, cidade que escolhi como lar.

Como é o processo de criação de design editorial?
Sempre começo pensando na história que vai ser contada, como e por quê. Qual seria o formato adequado para isso e quais recursos visuais se adequam a essa narrativa. Eu costumo participar do processo inteiro da geração de um livro, desde a ideia original à criação de uma equipe, quando necessário, e produção/impressão final que resultam no objeto finalizado. Ou seja, o design é um ferramenta, parte do processo, mas minha cabeça funciona de forma mais ampla, com olhar de edição e direção de arte.

Como a encadernação artesanal entrou na sua vida?
Eu sempre tive necessidade de trabalhar com as mãos, minha formação é mais artística do que acadêmica, fiz anos de aulas no Parque Lage e muitas vezes tenho necessidade de envolver corpo no processo criativo. Quando me mudei para Madri, em 2004, estava começando minha primeira formação teórica em design (Master em Design Editorial no Instituto Europeo di Design de Madri). Senti falta do trabalho manual, uma amiga do curso me sugeriu experimentar umas aulas num ateliê de encadernação artesanal perto da Escola. Amei. Me identifiquei imediatamente, pois de alguma forma me sentia entrando no corpo de livro, entendendo todos os seus detalhes e variações de comportamento do objeto, como se fosse um processo cirúrgico em que entrava em contato com as entranhas do objeto livro. Por alguns anos desenvolvi essa paixão, o que acabou resultando da criação da minha marca FAMILIA, de papelaria por encomenda (peças únicas numeradas). Eu criava, desenhava e executava cada peça. Foi uma fase muito criativa, montei o ateliê em casa.

Onde o Rio encontra o mar aborda o estilo de vida carioca. O que ele traz de diferente dos outros livros de fotografia do Rio?
O livro é um olhar contemporâneo sobre o encontro da cidade com a praia, característica tão particular do estilo de vida carioca. Como vivemos a vida urbana emaranhada num grande balneário e vice-versa. Os rituais e costumes da vida carioca vêm de outros tempos, mas continuam se repetindo com algumas adaptações de acordo com as transformações urbanas sofridas pela cidade. Minha ideia era mostrar o Rio de dentro, o Rio nosso, cotidiano e intimista, com o olhar de fotógrafos cariocas que desenvolvem um trabalho, na minha opinião, bastante fresco e contemporâneo sobre o Rio de ontem e hoje. Quando convidei os fotógrafos para participar do projeto, uma das principais abordagens foi como mostrar esse diálogo da cidade com a praia através de imagens que não costumamos ver em livros sobre o Rio. Todos os colaboradores do livro, inclusive eu e a Bel De Luca (que escreveu o texto de introdução), tivemos experiências fora do Brasil e voltamos ao Rio adquirindo uma nova sensibilidade e ampliando o olhar sobre como percebemos nossa cidade e seus detalhes que, por fazerem parte de um cotidiano tão intrínseco, não costumam ser retratados.

O que do lifestyle carioca há em você? Incorporou o tempero espanhol e o nova-iorquino no seu jeito de viver? Como se dá essa mistura?
Eu sou uma carioca do mundo, com temperos de todas as partes. Mas sou carioca. Sinto uma falta enorme de ter a praia ao lado, de sair com dinheiro contado para o coco, a canga e o chinelo no pé. Da espontaneidade do dia, de como as coisas rolam sem planejar, de como posso sair de casa para o mergulho e voltar para casa depois da festa as 2 da manhã sem ter nem pensado que começaria e acabaria o dia com o mesmo biquíni. Do estilo de vida espanhol posso dizer que incorporei facilmente os horários tardios, sou bicho da noite, funciono bem na segunda metade do dia, tanto para criar como para me divertir. Gosto de comer bem e beber bem. NY é minha casa, onde sou o melhor de mim, encontro a liberdade de ser e a abertura para a diversidade que não encontrei no Rio e em Madri com a mesma fluidez. NY me nutre de arte e cultura, elementos fundamentais para a minha vida em geral, já que hoje não separo trabalho de vida. Criação e diversão caminham juntos. Aqui comecei a fotografar, me arrisco mais, me exijo menos e acabo trabalhando com mais qualidade graças a essa sensação de liberdade. Nessa cidade também encontrei muitas pessoas com quem tenho trocas criativas incríveis.

Propomos um desafio. Se pudesse escolher apenas 5 livros para levar com você onde quer que fosse, quais seriam?
– Um deles seria o da infância, Where the wild things go – por ser um dos meus primeiros livros e ter as ilustrações mais fabulosas. Gosto muito de livros infantis bem feitos e bem ilustrados.

– Cem anos de solidão, do Gabriel Garcia Marques.

– Qualquer edição da poesia de Carlos Drummond de Andrade.

– Um catálogo raro de tipografia da ATF (American Type Founders) de 1923 – minha bíblia tipográfica. Iconografia do Deuses Africanos no Candomblé da Bahia, do Carybé – obra-prima entre os livros de artista brasileiros, que meu padrinho tão carinhosamente me presenteou.

– Sobre arte e estética, são tantos que prefiro guardar na minha cabeça as referências mais marcantes. Prefiro um caderno de notas em branco para que eu possa preencher a lápis.

Fotos: Maria Lago

No seu Instagram, o cotidiano é capturado de maneira crua e pouco óbvia. Você concorda? Como busca impactar as pessoas através da fotografia?
Eu ainda sou meio desastre usando Instagram (risos). Minha cabeça é mais old school. Concordo com o “pouco óbvio” e confesso que não sei usar direito, ainda não incorporei a espontaneidade da ferramenta. Fico no meio do caminho entre o pensado e o não pensado. Não costumo usar filtro, no máximo dou uma corrigida na luz/tom por vício de designer/editora de fotografia. Não são fotos lindas. Na fotografia em filme acho que tenho uma linguagem mais própria, apesar de ainda estar engatinhando na exploração desse campo. Mas por ter olho de editora e diretora de arte, facilita. Com as mídias sociais, acho que ainda tenho mais medo de errar, por haver uma exposição tão excessiva e pouco filtrada.

Fotos: Maria Lago

Quais designers e/ou fotógrafos mais te inspiram no momento?
Eu não sigo muito ninguém, sou pouco ligada em tendências. Minha inspiração vem da vida real, do que vejo na rua mesmo. Cores, texturas, moda, formas, pessoas, coisas, comida, luz, sensações. Minhas referências artísticas são fotógrafos como William Eggleston e Diane Arbus, que sempre me inspiram. Nas origens do design, Bauhaus e construtivismo russo, design editorial holandês, são muito atemporais e geniais em tipografia. Gosto de perceber risco e espontaneidade nas coisas. Sentir que tem alma e provocam sensações. Estive no Japão esse ano, então arte, moda, arquitetura e fotografia japoneses tem sido referências fortes no momento. A visita a Naoshima foi um “antes e depois”. Aliás, gastronomia também é grande fonte de inspiração para mim, estou envolvida com alguns projetos nesse campo. O trabalho da fotógrafa espanhola Cristina de Middel, autêntico e embasado, é o que tenho visto de mais original e criativo. Acho muito difícil criar algo original em tempos informação visual. Inspiração é muito bom, mas quando de fato há intenção de contar algo novo, ou com um olhar diferente.

Maria Lago
Fotos: Cristina de Middel, Diane Arbus, William Eggleston

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